Em 2025, o governo federal trouxe um alívio para milhões de brasileiros que, entre 2020 e fevereiro deste ano, foram demitidos e não puderam acessar o saldo total do FGTS por terem aderido ao saque-aniversário. A Medida Provisória nº 1.290 liberou R$ 12 bilhões para 12,2 milhões de trabalhadores, permitindo que, finalmente, resgatassem o que lhes pertence. A iniciativa, que injetou recursos na economia em um momento de recuperação lenta, foi celebrada como um gesto de justiça social. Mas, ao mesmo tempo, expôs uma fragilidade estrutural: o saque-aniversário, criado para oferecer flexibilidade, transformou-se em uma armadilha para muitos. Cinco anos após sua implementação, é hora de perguntar: essa modalidade realmente beneficia o trabalhador ou apenas mascara problemas mais profundos no sistema de proteção social do Brasil?
Um Benefício com Contrapartidas
O saque-aniversário do FGTS, lançado em 2020, foi apresentado como uma solução para dar ao trabalhador mais controle sobre seu Fundo de Garantia. A ideia era simples: permitir saques anuais no mês de aniversário, com valores que variam de 5% a 50% do saldo, acrescidos de uma parcela fixa. Em troca, o trabalhador abria mão do saque-rescisão – o direito de sacar o saldo total em caso de demissão sem justa causa, recebendo apenas a multa de 40% sobre os depósitos. Desde então, 37 milhões de brasileiros aderiram à modalidade, retirando R$ 142 bilhões do fundo, segundo o Ministério do Trabalho. Mas os números escondem uma realidade preocupante: 66% desse montante foi destinado a bancos por meio de antecipações de saques, enquanto apenas 34% chegaram diretamente aos trabalhadores.
A adesão massiva ao saque-aniversário reflete uma necessidade urgente de renda extra em um país onde o custo de vida não para de subir. Para muitos, sacar R$ 450 ou R$ 1.000 por ano é a diferença entre pagar uma dívida ou garantir o básico no fim do mês. No entanto, a contrapartida é severa. Desde 2020, 9,5 milhões de trabalhadores que foram demitidos e tinham aderido à modalidade não conseguiram acessar o saldo total do FGTS, muitas vezes porque parte do fundo estava comprometida com empréstimos bancários. Essa restrição transformou o que deveria ser uma proteção social em um obstáculo em momentos de maior vulnerabilidade.
Uma Correção Parcial em 2025
A Medida Provisória nº 1.290, publicada em fevereiro de 2025, tentou corrigir parte desse problema. A liberação de R$ 12 bilhões para trabalhadores demitidos entre 2020 e 28 de fevereiro de 2025 foi um passo na direção certa. Os pagamentos, divididos em duas etapas – março para valores até R$ 3 mil e junho para saldos maiores –, beneficiaram 12,2 milhões de pessoas, segundo a Caixa Econômica Federal. O dinheiro foi creditado automaticamente nas contas registradas no aplicativo do FGTS, trazendo alívio a quem enfrentava dificuldades financeiras após a perda do emprego.
Mas a medida é, por definição, temporária. Ela não altera as regras para demissões futuras, o que significa que quem aderiu ao saque-aniversário e for demitido a partir de março de 2025 continuará sem acesso ao saldo total. Além disso, a carência de 25 meses para voltar ao saque-rescisão – o modelo tradicional que permite o saque integral em caso de demissão – é um entrave significativo. Um trabalhador que solicita a mudança hoje só terá a alteração efetivada em 2027, período em que pode enfrentar novas demissões sem a proteção do FGTS. Essa rigidez levanta questionamentos sobre a real autonomia que o saque-aniversário oferece.
Os Riscos de Longo Prazo
O saque-aniversário expõe uma contradição no sistema de proteção social brasileiro. O FGTS foi criado para ser uma reserva de emergência, garantindo segurança em momentos de dificuldade, como demissões, compra de imóvel ou aposentadoria. Ao transformá-lo em uma fonte de renda anual, o governo abriu espaço para que bancos e fintechs lucrassem com antecipações de saques, muitas vezes a taxas de juros que, embora menores que as de empréstimos pessoais, ainda corroem o valor real do fundo. O FGTS rende apenas 5,1% ao ano, menos que a inflação projetada para 2025 (5,5%, segundo o Boletim Focus do Banco Central), o que significa que o trabalhador perde poder de compra ao antecipar os saques.
Além disso, a falta de educação financeira agrava o problema. Muitos trabalhadores aderem ao saque-aniversário sem compreender as implicações de longo prazo, como a impossibilidade de sacar o saldo total em uma demissão ou a dificuldade de usar o FGTS para comprar um imóvel se o saldo estiver bloqueado por empréstimos. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, já criticou a modalidade, afirmando que ela “enfraquece a proteção social do trabalhador”. Em um país onde a informalidade atinge 38% da força de trabalho, segundo o IBGE, o FGTS é, para muitos, a única rede de segurança. Comprometer esse recurso em troca de um alívio imediato pode ser um preço alto demais a pagar.
Um Debate Necessário
A liberação de R$ 12 bilhões em 2025 é um gesto bem-vindo, mas não resolve o problema estrutural do saque-aniversário. O governo precisa ir além de medidas paliativas e abrir um debate amplo sobre o papel do FGTS na proteção social. É necessário rever a carência de 25 meses para voltar ao saque-rescisão, oferecer mais transparência sobre os riscos da modalidade e investir em educação financeira para que os trabalhadores tomem decisões conscientes. Além disso, o uso do FGTS como garantia em outras iniciativas, como o programa Crédito do Trabalhador, lançado em março de 2025, aumenta a pressão sobre o fundo, que já teve R$ 142 bilhões retirados desde 2020.
O saque-aniversário pode ser útil para quem tem estabilidade no emprego e planejamento financeiro, mas, para a maioria dos brasileiros, o risco de perder a proteção do FGTS em um momento de crise é um custo alto demais. Cabe ao governo e à sociedade civil garantirem que o Fundo de Garantia cumpra sua função original: ser um escudo para o trabalhador, e não um instrumento de lucro para o sistema financeiro.